Crônica: Interpretação e Compreensão

Vídeo da crônica:

Emergência

      É fácil identificar o passageiro de primeira viagem. É o que já entra no avião desconfiado. O cumprimento da aeromoça, na porta do avião, já é um desafio para a sua compreensão.
 __ Bom dia …
__ Como assim?
     Ele faz questão de sentar num banco de corredor, perto da porta. Para ser o primeiro a sair no caso de alguma coisa dar errado. Tem dificuldade com o cinto de segurança. Não consegue atá-lo. Confidencia para o passageiro ao seu lado:
__ Não encontro o buraquinho. Não tem buraquinho?
     Acaba esquecendo a fivela e dando um nó no cinto. Comenta, com um falso riso descontraído: “Até aqui, tudo bem”. O passageiro ao lado explica que o avião ainda está parado, mas ele não ouve. A aeromoça vem lhe oferecer um jornal, mas ele recusa.
__ Obrigado. Não bebo.
     Quando o avião começa a correr pela pista antes de levantar vôo, ele é aquele com os olhos arregalados e a expressão de Santa Mãe do Céu! no rosto. Com o avião no ar, dá uma espiada pela janela e se arrepende. É a última espiada que dará pela janela.
     Mas o pior está por vir. De repente ele ouve uma misteriosa voz descarnada. Olha para todos os lados para descobrir de onde sai a voz.
     “Senhores passageiros, sua atenção, por favor. A seguir, nosso pessoal de bordo fará uma demonstração de rotina do sistema de segurança deste aparelho. Há saídas de emergência na frente, nos dois lados e atrás.”
__ Emergência? Que emergência? Quando eu comprei a passagem ninguém falou nada em emergência. Olha, o meu é sem emergência.
     Uma das aeromoças, de pé ao seu lado, tenta acalmá-lo.
__ Isto é apenas rotina, cavalheiro.
__ Odeio a rotina. Aposto que você diz isso para todos. Ai meu santo.
     “No caso de despressurização da cabina, máscaras de oxigênio cairão automaticamente de seus compartimentos.”
__ Que história é essa? Que despressurização? Que cabina?
     “Puxe a máscara em sua direção. Isto acionará o suprimento de oxigênio. Coloque a máscara sobre o rosto e respire normalmente.”
__ Respirar normalmente? A cabina despressurizada, máscaras de oxigênio caindo sobre nossas cabeças __ e ele quer que a gente respire normalmente?
     “Em caso de pouso forçado na água …”
__ O quê?!
     “… os assentos de suas cadeiras são flutuantes e podem ser levados para fora do aparelho e …”
__ Essa não! Bancos flutuantes, não! Tudo, menos bancos flutuantes!
__ Calma, cavalheiro.
__ Eu desisto! Parem este troço que eu vou descer. Onde é a cordinha? Parem!
__ Cavalheiro, por favor. Fique calmo.
__ Eu estou calmo. Calmíssimo. Você é que está nervosa e, não sei por que, está tentando arrancar as minhas mãos do pescoço deste cavalheiro ao meu lado. Que, aliás, também parece consternado e levemente azul.
__ Calma! Isso. Pronto. Fique tranquilo. Não vai acontecer nada.
__ Só não quero mais ouvir falar em banco flutuante.
__ Certo. Ninguém mais vai falar em banco flutuante.
     Ele se vira para o passageiro ao lado, que tenta desesperadamente recuperar a respiração e pede desculpas. Perdeu a cabeça.
__ É que banco flutuante foi demais. Imagine só. Todo mundo flutuando sentado. Fazendo sala no meio do oceano Atlântico!
     A aeromoça diz que lhe vai trazer um calmante e aí mesmo é que ele dá um pulo: 
__ Calmante, por quê? O que é que está acontecendo? Vocês estão me escondendo alguma coisa!
     Finalmente, a muito custo, conseguem acalmá-lo. Ele fica rígido na cadeira. Recusa tudo que lhe é oferecido. Não quer o almoço. Pergunta se pode receber a sua comida em dinheiro. Deixa cair a cabeça para trás e tenta dormir. Mas, a cada sacudida do avião, abre os olhos e fica cuidando a portinha do compartimento sobre sua cabeça, de onde, a qualquer momento, pode pular uma máscara de oxigênio e matá-lo do coração.
     De repente, outra voz. Desta vez é a do comandante.
__ Senhores passageiros, aqui fala o comandante Araújo. Neste momento, à nossa direita, podemos ver a cidade de …
     Ele pula outra vez da cadeira e grita para a cabina do piloto:
__ Olha para a frente, Araújo! Olha para a frente!

VERISSIMO. Luis Fernando. Mais comédias para ler na escola. Rio de Janeiro: Objetiva, 2008.  

Vocabulário: 

  • Aeromoça: tripulante que cuida do bem-estar e da segurança dos passageiros de uma aeronave. Hoje em dia, homens e mulheres exercem a profissão A denominação do profissional é comissário de bordo”.  
  • Descarnado: desprovido de algo essencial.  
  • De bordo: que fica no interior da aeronave.  
  • Despressurização: ato de interromper a pressurização, ou seja, a pressão regular mantida artificialmente em espaço fechado que funciona em grandes altitudes (por exemplo, a cabine de uma aeronave).  
  • Cabina (ou cabine): compartimento fechado dos aviões onde viajam os pilotos e copilotos e no qual se localizam os instrumentos de controle e de navegação aérea.  
  • Compartimento: cada divisão de um móvel, de um imóvel, etc.  
  • Acionar: fazer funcionar por em movimento.  
  • Suprimento: reserva necessária. 
  • Consternado: abatido, desolado, aflito. 
  • Rígido: duro, sem movimento. 

Estudo do texto: 

1. A crônica lida apresenta fatos ocorridos em diferentes momentos de uma viagem de avião. Quais são as reações do passageiro em destaque quando o avião: 

a) Está parado?  

b) Ganha velocidade para levantar voo?  

c) Está no ar?  

(  ) Demonstra medo no rosto;  

(  ) Não consegue atar o cinto de segurança; 

(  ) Arrepende-se de olhar pela janela; 

2. Por que o narrador afirma: “É a última espiada que dará pela janela”?  

3. Que situação desencadeia o maior descontrole do passageiro? Coloque V para verdadeiro e F para falso: 

(  ) A exposição das instruções de segurança.  

(  ) As instruções de segurança que são uma rotina nos voos. 

(  )  O fato da aeromoça lhe oferecer um jornal, mas ele recusar. 

(  ) Não conseguir receber o almoço em forma de dinheiro. 

(  ) O fato da personagem desconhecer as orientações que antecede o voo e acreditar estar em perigo. 

4. Quem narra os fatos da crônica?  

a) O passageiro do lado.  

b) A aeromoça.  

c) O narrador-personagem (1ª pessoa).  

d) Um narrador observador (3ª pessoa ).

5. Releia e analise a resposta do passageiro.  

[…] A aeromoça vem lhe oferecer um jornal, mas ele recusa – Obrigado. Não bebo. 

De acordo com o texto lido e a resposta expressa pelo passageiro ele: 

(  ) Apresentou uma resposta coerente com o que lhe foi ofertado, afinal ele não gostava de beber. 

(  ) Apresentou uma resposta incoerente com o que lhe foi ofertado, afinal ele não gostava de beber, mas muito gostava de ler nas viagens que fazia. 

(  ) Apresentou uma resposta incoerente com o que lhe foi ofertado, o grau de nervosismo do passageiro está tão elevado que não ouviu atentamente a pergunta. 

6. A personagem da crônica é um passageiro que viaja pela primeira vez de avião.

a) O texto é construído de modo a dar ideia de que ele não está acostumado a esse tipo de transporte. Assinale as falas do passageiro que mostram isso:  

(  ) “Odeio a rotina.”  

(  )  “Parem este troço, que eu vou descer.”   

(  ) “Vocês estão me escondendo alguma coisa.” 

(  ) “Olha para a frente, Araújo!”  

(  ) “Onde é a cordinha? ”   

b) Por essas falas podemos deduzir que o passageiro está acostumado a outro tipo de transporte. Qual? Justifique. 
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